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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Legalização da maconha e populismo penal

Luiz Flávio Gomes é doutor em direito penal pela universidade complutense de madri, mestre em direito penal pela usp e diretor-presidente da rede de ensino lfg. foi promotor de justiça (1980 a 1983), juiz de direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). twitter: www.twitter.com/professorlfg. blog: www.blogdolfg.com.br.

Por | Luiz Flávio Gomes - Sexta Feira, 19 de Novembro de 2010



Por que é muito difícil debater (ou decidir sobre) o tema da legalização (ou não) da "maconha" de forma racional? por causa das nossas emoções e intuições morais (convicções morais, que se transformam facilmente em paixões fundamentalistas, se não controladas) que são geradas pelos nossos condicionamentos culturais. tudo começa com o seguinte: não existe pensamento desconectado das nossas emoções (e intuições morais) (é o que afirma o neurocientista português antónio r. damásio, autor do livro o erro de descartes). na raiz de tudo estão as emoções (e intuições). só depois é que vêm o pensamento, a opinião e a decisão (sobre um determinado assunto).

Se quisermos discutir racionalmente (e decidir sobre) um assunto sobrecarregado de emoções (e paixões), temos que trabalhar (coisa difícil, mas que deve sempre ser tentada) o chamado "controle 'top-down'" (controle da sua opinião e da discussão pelo neocórtex, ou seja, pelo cérebro racional), que é a única "ferramenta" (humana) capaz de comandar as nossas inclinações, intuições, emoções e apetites naturais. (1)

No debate (sobre a legalização da maconha) promovido no dia 21.10.10 pela folha de s. paulo vimos muita emoção e pouco "controle top-down" (controle das emoções e intuições). Muita intuição moral e pouca racionalidade. muita paixão encobridora da racionalização. além disso, muita afirmação é feita sem nenhuma comprovação estatística ("chutometria"). Marcos susskink, por exemplo, disse: "na sua experiência, o álcool é menos nocivo do que a maconha" (estatisticamente falando a nicotina gera 32% de dependência, contra 15% do álcool e 9% da maconha - folha de s. paulo de 23.10.10, p. a7).

Um dos poucos pontos consensuais foi o seguinte: "é contraproducente e cruel punir usuários de maconha como se fossem criminosos, e falta uma distinção mais clara entre traficantes e simples consumidores da erva na legislação do país" (folha de s. paulo de 23.10.10, p. a7). no mundo científico o consenso sobre esses pontos é bastante sólido. ocorre que o populismo penal e o autoritarismo jurídico não ouvem a ciência. seguem suas emoções e intuições morais.

O legislador brasileiro (lei 11.343/2006), num dos seus raros momentos de controle racional do cérebro, fez progresso ao impedir (de forma absoluta) a pena de prisão para o usuário de droga. sinalizou que o usuário deve ser retirado do campo do direito penal, mas ficou (embasbacado) no meio do caminho.

Os atores jurídicos (intérpretes e juízes do stf, sobretudo) não conseguiram controlar suas emoções e intuições morais, seus preconceitos e pré-juízos, formados pelos seus condicionamentos culturais. deixaram atuar o piloto automático das suas preferências (morais) internas preestabelecidas e concluíram que o usuário é um "criminoso", um "tóxico-delinquente" (re 430.105-rj). o autoritarismo punitivista continua mais presente que nunca nas mentes dos nossos (majoritários) atores jurídicos.

A falta de uma clara distinção entre o usuário e o traficante foi uma outra falha legislativa deplorável. O legislador só fixou critérios gerais (de distinção). Com isso deixou a definição (em cada caso concreto) por conta dos atores jurídicos (intérpretes, policiais, ministério público e juízes), que persistem (majoritariamente) atrelados às suas clássicas emoções e intuições punitivistas vingativas (sem ouvir a ciência).


Um pobre surpreendido com 10 papelotes de maconha, com certeza, será tido como traficante. Se se trata de alguém que é tratado de forma privilegiada a conclusão é bem diferente. A distribuição da dor e do sofrimento é feita, na prática, de forma totalmente desigual. Daí a necessidade de o legislador corrigir essa falha legislativa e procurar definir, com critério, quem é o usuário e quem é o traficante.

No exercício da nossa cidadania temos que lutar por novas mudanças na lei e reivindicar debates mais objetivos, sobretudo quando queremos fixar políticas públicas sobre um determinado assunto. O problema é que em todo debate que envolve questões morais as emoções (paixões) normalmente acabam falando mais alto e nos perdemos em polêmicas inférteis e intermináveis. Deveríamos então estar prestando atenção ao que dizia jorge luis borges (argentino, poeta e escritor): "apaixonar-se é criar uma religião que tem um deus falível". Ou ao que proclamava cyril connolly (inglês, editor e crítico): "o homem que é mestre de suas paixões é escravo da razão".

Notas:

1 - CF. Schwartsman, hélio, folha de S. Paulo de 23.10.10., p. a7.

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